Como nota prévia desta
conversa em torno dos solos, convém lembrar que os textos que, neste e noutros
propósitos pedagógicos, de há muito venho divulgando, têm como destinatários
preferenciais os professores que nas nossas escolas básicas e secundárias se
debatem com falta de elementos que complementem os tradicionais livros
adoptados. Visam, ainda, o cidadão comum, interessado em conhecer o chão que
pisa e lhe dá o pão. Não pretendem, longe disso, ensinar algo de novo aos meus
pares, alguns deles bem mais entendidos do que eu nestas matérias. A esses o
que se lhes pede é que, com o mesmo empenho
e a mesma humildade com que os produzo, corrijam o que eventualmente tiver de
ser corrigido, acrescentem o que deva ser acrescentado e melhorem o que
precisar de ser melhorado, tudo isto no real interesse de fornecer ao leitor a
melhor informação possível.
FALANDO DOS SOLOS
Com as variações
próprias das diversas latitudes e altitudes, os solos estão presentes em grande
parte (cerca de 80%) da superfície
terrestre emersa, constituindo o que foi convencionalmente considerado a
pedosfera. Desertos de areia, como o Saara e muitos outros, desertos pedregosos
como o Neguev, em Israel, ou as cumeadas rochosas das altas montanhas não têm solos, mas apenas uma camada de natureza mineral,
solta, sem capacidade para suportar vida.
Evoluindo em condições
grandemente determinadas pelo clima, a pedogénese, depende também, em grande
parte, do mundo biológico. É um facto
sabido e aceite que todos os processos envolvidos na génese e evolução do solo
são assegurados pela energia solar e pelos organismos vivos que dele fazem
parte. São esses organismos que controlam a mobilidade das substâncias químicas
e da energia necessária a essa mobilidade. “Na ausência de organismos, a
meteorização das rochas não dá origem a qualquer solo”, afirmou, em 1949, o
geoquímico russo Constantin Nikiforoff (1887-1979).
Deduz-se desta
realidade que, anteriormente ao Silúrico médio (420 milhões de anos), a capa
superficial resultante da alteração das rochas não continha quaisquer vestígios
de matéria orgânica, dado que o essencial da vida ainda não tinha saído das
águas. Foi só a partir de então que as primeiras plantas começaram a colonizar
as terras emersas, em ambientes alagadiços próximos do tipo sapal, abrindo
caminho à ocupação animal, com particular relevo para alguns artrópodes. Só a
partir de então essa capa superficial passou a integrar uma componente orgânica
e a poder ser aceite como solo.
Anteriormente a este
período houve, sem dúvida, meteorização, e disso são provas os milhares de
metros de espessura de sedimentos argilosos resultantes da remoção de material
rochoso alterado e transportado para os oceanos
desde os mais remotos tempos do Pré-câmbrico, posteriormente
transformados em xistos argilosos e seus derivados metamórficos (filádios, micaxistos,
gnaisses, migmatitos e, até, granitos1). A aparição do solo, no sentido
pedológico da palavra, isto é, com uma componente orgânica activa, “constitui
um marco importante na história da Terra”, escreveu, em 1980, o saudoso Prof.
Bastos de Macedo, do Instituto Superior de Agronomia.
Galopim de Carvalho