sexta-feira, 12 de junho de 2015

ANO INTERNACIONAL DOS SOLOS






                                   Crostas pedogénicas 

Calcretos
Com cem anos de uso, o termo calcrete, proposto por G. H. Lamplugh (1902), só nas últimas décadas começou a figurar na nossa terminologia geológica. Próprios de certos ambientes morfoclimáticos caracterizados por uma certa subaridez (precipitação abaixo dos 500 mm/a), estas crostas, ligadas à actividade pedológica, resultam de acumulação de carbonato de cálcio ao longo de extensões superficiais maiores ou menores . Os calcretos variam bastante em espessura, desde algumas dezenas de metros, na Austrália, África do Sul, Novo México (EUA), a alguns metros no sul e sudeste ibérico (3 a 5 m em Portugal, no Algarve).
            Uma das primeiras referências a este tipo de crosta é da autoria de Ch. Darwin (1846) que, sob a designação de tosca, a descreve em pormenor nas pampas argentinas.
            O termo calcrete, dos autores ingleses e aceite como unificador pela comunidade científica, abarca um sem número de designações regionais (cerca de meia centena), de entre as quais se destacam batha (Índia), calcário da catinga (Brasil), caliche (sul dos EUA), canto blanco (Canárias), croûte calcaire (Argélia e Tunísia), gigilim (Nigéria), kunkar (Índia), nari (Israel), Steppenkalk (Namíbia), tafeza (Norte de África), tapetate (México), travertine crust (Austrália), etc..
            O termo português caliço, corrente na toponímia do sul do país, é mais um entre nomes locais e regionais a acrescentar a esta lista, tendo sido usado por Paul Choffat (1887) nos seus trabalhos sobre a geologia do Algarve. Branqueiros e laginhas de cal são expressões locais usadas na terminologia geológica para referir este tipo de ocorrências em Porto Santo e no extremo oriental da Madeira (S. Lourenço), onde a subaridez é a regra climática.
            Os calcretos constituem corpos geológicos dispostos horizontalmente, sendo constituídos, no geral, por um nível friável, esbranquiçado, de aspecto pulverulento, farináceo, às vezes referidos entre nós, impropriamente, pelo nome de cré, sobre o qual se desenvolve, em estádios mais avançados de evolução, a crosta propriamente dita. Quando a evolução climática se faz no sentido do aumento da humidade, as crostas tendem e degradar-se, dando lugar a concreções calcárias espaçadas entre si.
            Na maior parte das situações, os calcretos formam-se sobre rochas-mãe calcárias, como se verifica no Algarve em relação com as sequências carbonatadas mesozóicas. Menos frequentes, mas não raras, são as ocorrências sobre gabros e outras rochas ígneas ou metamórficas, susceptíveis de fornecer cálcio, com acontece na região de Beja. Conhecem-se calcretos a culminar perfis em rochas praticamente destituídas de cálcio, facto que leva a aceitar que estas crostas, para além de enriquecerem em calcite, a expensas da rocha, do substrato (per ascensum), podem receber essa contaminação, lateralmente, vinda de outras rochas através das águas de percolação no solo. Neste último caso, à semelhança do que se passa com os lateritos e os bauxitos, coloca-se o problema da sua condição sedimentar, uma vez que há transporte do material carbonatado, ainda que em solução.

Fig. 25 – Perfis em calcretos. A – Benfarras (Algarve): 1 – calcário jurássico; 2 – brecha autóctone; 3 – calcreto pulverulento (caliço); 4 – crosta compacta. B – Ervidel (Alentejo): 1 – calcário lacustre paleogénico; 2 – calcreto pulverulento (caliço); 3 – crosta compacta residual em solo castanho (4).

            Na qualidade de solos residuais, os calcretos, para além do carbonato de cálcio, conservam um resíduo insolúvel resultante da meteorização e evolução pedológica da rocha-mãe. Assim, contêm, em geral, uma fracção detrítica grosseira (fragmentos rochosos, areias) e uma outra essencialmente argilosa, de alteração e de neoformação no solo, ou herdada, no caso das rochas que lhes estão subjacentes conterem estes filossilicatos na sua composição.
            Os calcretos são conhecidos a vários níveis do registo estratigráfico mundial, dos Old Red Sandstones, do Devónico da Escócia, ao Cenozóico, de que temos exemplos no Paleogénico da região de Macedo de Cavaleiros, na Beira Baixa, no Alentejo e na região de Colares (Sintra).

Silcretos

            Em coerência com a uniformização da nomenclatura, Lamplugh (1907) propôs também o nome silcrete para as crostas pedológicas enriquecidas em sílica. Sob diversas designações, estes arenitos do deserto, como lhes chamou R. Daintree (1872), ao descrevê-los no norte de África, são conhecidos por grés polimorfos em Angola e no Congo, por duripans nos Estados Unidos, por surface quartzites na África do Sul, por porcelanites na Austrália, por meulière em França, etc..
            Os silcretos são característicos de regiões de tendência árida com drenagem deficiente, muito planas, com declives mínimos (inferiores a 5%), sendo comuns na África do Sul, Namíbia, Calaari, Mauritânia, Austrália e nordeste do Brasil, onde as espessuras são da ordem das dezenas de metros, podendo ocorrer sobre quaisquer tipos de rocha-mãe. É, em particular, sobre as rochas sedimentares terrígenas (conglomerados, arenitos, siltitos, argilitos) ou os seus equivalentes não consolidados (cascalheiras, areias, siltes e argilas) que os silcretos são mais frequentes e atingem maior expressão (em espessura e extensão).
            A silicificação, nuns casos per ascensum, a parir do substrato, noutros por contaminação lateral, é feita sob a forma de opala, nos silcretos mais recentes, ou de quartzo microcristalino (calcedonite) ou fanerítico, nos mais antigos. No decurso da diagénese, como é sabido, a sílica amorfa tende a passar a cristalina. Nuns casos, a silicificação consiste na cimentação do horizonte pedológico por penetração da sílica nos vazios; noutros, verifica-se ter havido substituição epigénica (molécula a molécula) do material do perfil por sílica. É o que acontece na transformação (frequente) de calcretos em silcretos, por substituição do carbonato de cálcio pela sílica. Silcalcretos e calsilcretos são, assim, designações que procuram referir estádios intermediários dessa metassomatose.
            Em Portugal, nas últimas décadas tem vindo a ser reconhecida a ocorrência de silcretos  quer sub-actuais (Quaternário de Rio Frio, Setúbal) quer mais antigos, em especial no Cenozóico da Beira Baixa, da Bacia do Tejo-Sado e do Alentejo interior. O grés porcelanóide, de há muito reconhecido no cimo aplanado do Buçaco, na vizinhança da Cruz Alta, deve ser considerado um silcreto de idade compreendida entre o Cretácico superior e o Paleogénico.

                                                            Galopim de Carvalho