sábado, 13 de setembro de 2014

OS SERÕES EM ÉVORA NOS ANOS 30 E 40 (3)


Os interesses dos homens nos serões desses anos variavam em função do respectivo estatuto sociocultural. Havia o chamado “Clube dos Ricos” que, como o nome indica, era centro de convívio de umas tantas famílias de terratenentes e de homens do topo da hierarquia social, e as sociedades recreativas, com destaque para a “Harmonia Eborense” e a “Bota Rasa”, frequentadas, sobretudo, por comerciantes, pequenos industriais, empregados do comércio e dos serviços e militares graduados. Aí se jogava o bilhar de três bolas, o xadrez, as damas, o dominó e outros, em salas reservadas, com cartas e a dinheiro. Uma outra classe de eborenses confraternizava na Sociedade Operária Joaquim António de Aguiar, um sopro de republicanismo laico e progressista, a sobreviver numa urbe particularmente conservadora.
Havia os que preferiam o convívio nos clubes desportivos que eram três: o Lusitano, o Juventude e o Sport Lisboa e Évora, modesta sucursal do já então grande Benfica. Outros preferiam os cafés, nomeadamente, o Camões, na Porta Nova, o Arcada e a Brasserie, na Praça do Giraldo, todos com esplanada nos meses sem chuva nem frio, sob as arcadas e, ainda, o Estrela d’Ouro, no começo da antiga rua dos Infantes. Num outro mundo, as tabernas, sempre cheias de uma clientela de gente pobre, eram locais também frequentados pela soldadesca, sempre muita nesses anos em que sediavam ali o Quartel-general da 4.ª Região Militar, o Regimento de Infantaria e o de Artilharia 1, o Hospital Militar, a Manutenção Militar, a Farmácia Militar e o Distrito de Recrutamento Reserva.
Nos serões, quando tempo o permitia, o tabuleiro da praça do Geraldo era um mar de homens e rapazes crescidos, em grupos de dois, três ou mais, a passearem para cá e para lá, horas e quilómetros, conversando.
Nos anos 40 já havia cinema, uma ou duas vezes por semana e, consoante a estação do ano, funcionava em espaço interior, no teatro Garcia de Resende e, depois, no Salão Central Eborense, ou ao ar livre, na Praça de Touros ou na esplanada dos Bombeiros Voluntários. Em qualquer destes locais de divertimento, o grosso da assistência era masculina. Mães e filhas no cinema, só acompanhadas pelo “chefe de família”.
Nesses tempos não havia televisão e a rádio ainda estava longe de entrar nas nossas vidas. Para os que, ao serão, ficavam em casa, as histórias que se ouviam e contavam, algumas de meter medo, com bruxas, feiticeiras, ladrões e salteadores, ou as conversas que se desenrolavam faziam as vezes dos folhetins radiofónicos ou das telenovelas do presente. Alguns dos contos ouvidos nesses finais de dia, li-os, mais tarde, coligidos por Leite Vasconcelos em grosso volume editado pela Universidade de Coimbra. Nem piores, nem melhores do que de hoje, foram tempos, isso sim, diferentes e que marcaram o meu modo de ver a sociedade.


                                                 Galopim de Carvalho