Depois do jantar, os
homens saíam a caminho dos seus interesses. Fossem ricos, remediados ou pobres,
a regra era essa. As mulheres ficavam em casa. Prisioneiras das
responsabilidades que, tradicionalmente, lhes eram atribuídas, continuavam no
exercício das tarefas domésticas e, ao mesmo tempo, a cuidar dos filhos.
Destes, os mais pequenos faziam os trabalhos da escola ou brincavam, muitas
vezes na rua, à porta da casa, sempre aberta. Nas famílias sem posses para
terem criadas, competia às mães e às filhas com idade para ajudar, levantar a
mesa, lavar a loiça, arrumar a cozinha e, as mais das vezes, costurar.
Eram as mães que, contra elas próprias,
educavam raparigas e os rapazes a perpetuarem os hábitos da sociedade machista
em que cresci e me fiz homem, numa vivência estimulada pela Igreja e pelo poder
político da época. Jovem casadoira, qualquer que fosse a sua condição, já sabia
que o seu lugar ia ser no lar ou no ninho como algumas e alguns gostavam de
dizer. Ao contrário das mulheres do campo, eram poucas as da cidade com
trabalho fora de casa. Grande número destas, uma vez casadas, abandonavam o
emprego, para se dedicarem à casa e aos filhos.
No mundo rural não era assim. Pobres por condição
e tradição, mães com ou sem filhos e raparigas adolescentes tinham mesmo de
trabalhar sempre que as oportunidades surgissem e essas oportunidades eram,
sobretudo, a monda, a ceifa e a apanha da azeitona.
Nesse tempo a roupa de casa e quase toda a de
vestir eram confecionadas no seio da família. O pronto-a-vestir dos dias de
hoje estava a décadas de distância, mas já havia algumas lojas onde se podia
comprar roupa feita. Eram os algibebes, (do árabe al gebabb, uma reminiscência
de cinco séculos de ocupação muçulmana), mas isso só para os homens e, em
especial, para os que tinham ligações ao mundo rural. Para uma clientela urbana
com posses para tal, havia os alfaiates e as camisarias. As mulheres, via de
regra, compravam os tecidos e as mais endinheiradas tinham costureiras em casa
ou pagavam às modistas. As tidas por remediadas talhavam, cosiam e orientavam
as filhas a fazerem o enxoval, respeitando o mesmo caminho que fora o delas.
Galopim de Carvalho