segunda-feira, 1 de setembro de 2014

OS SERÕES EM ÉVORA NOS ANOS 30 E 40 (1)



Depois do jantar, os homens saíam a caminho dos seus interesses. Fossem ricos, remediados ou pobres, a regra era essa. As mulheres ficavam em casa. Prisioneiras das responsabilidades que, tradicionalmente, lhes eram atribuídas, continuavam no exercício das tarefas domésticas e, ao mesmo tempo, a cuidar dos filhos. Destes, os mais pequenos faziam os trabalhos da escola ou brincavam, muitas vezes na rua, à porta da casa, sempre aberta. Nas famílias sem posses para terem criadas, competia às mães e às filhas com idade para ajudar, levantar a mesa, lavar a loiça, arrumar a cozinha e, as mais das vezes, costurar.
 Eram as mães que, contra elas próprias, educavam raparigas e os rapazes a perpetuarem os hábitos da sociedade machista em que cresci e me fiz homem, numa vivência estimulada pela Igreja e pelo poder político da época. Jovem casadoira, qualquer que fosse a sua condição, já sabia que o seu lugar ia ser no lar ou no ninho como algumas e alguns gostavam de dizer. Ao contrário das mulheres do campo, eram poucas as da cidade com trabalho fora de casa. Grande número destas, uma vez casadas, abandonavam o emprego, para se dedicarem à casa e aos filhos.

 No mundo rural não era assim. Pobres por condição e tradição, mães com ou sem filhos e raparigas adolescentes tinham mesmo de trabalhar sempre que as oportunidades surgissem e essas oportunidades eram, sobretudo, a monda, a ceifa e a apanha da azeitona.

 Nesse tempo a roupa de casa e quase toda a de vestir eram confecionadas no seio da família. O pronto-a-vestir dos dias de hoje estava a décadas de distância, mas já havia algumas lojas onde se podia comprar roupa feita. Eram os algibebes, (do árabe al gebabb, uma reminiscência de cinco séculos de ocupação muçulmana), mas isso só para os homens e, em especial, para os que tinham ligações ao mundo rural. Para uma clientela urbana com posses para tal, havia os alfaiates e as camisarias. As mulheres, via de regra, compravam os tecidos e as mais endinheiradas tinham costureiras em casa ou pagavam às modistas. As tidas por remediadas talhavam, cosiam e orientavam as filhas a fazerem o enxoval, respeitando o mesmo caminho que fora o delas.


                                             Galopim de Carvalho