Meu
par na direcção do Museu Nacional de História Natural da Universidade de
Lisboa, o Prof. Fernando Catarino, ainda bem activo em múltiplas acções de
cidadania, é, de entre os universitários que conheço, um dos que guardo no
cofre das boas memórias. Foram 50 anos de convívio profissional e de
companheirismo nas lides pela vulgarização do conhecimento científico que
protagonizámos neste Portugal sempre adiado, eu, como de costume, falando de
pedras, e ele, de tudo o que tem a ver com árvores e florestas, jardins e
flores, das rosas às papoilas.
Uma
das muitas vezes que, como simples participante interessado em aprender,
acompanhei este grande comunicador científico, foi “Onde a Terra se acaba e o
mar começa”, como escreveu Camões no Canto III de Os Lusíadas, ou seja, na
ponta mais saliente do promontório que marca o extremo ocidental da Serra de
Sintra, a que os homens do mar chamavam o “Focinho da Roca”. Com ele desci a
falésia no sítio do farol, um escarpado que permite observar aspectos
particulares da intrusão magmática que elevou esta “jóia da petrografia”, como
se lhe referiu o Prof. Alfred Lacroix, ilustre petrógrafo francês que lhe
dedicou particular atenção.
Mas
não foi para observar as rochas que descemos até o mar. Fomos em busca da
Armeria pseudoarmeria, uma espécie rara de dicotiledónea, da família das
plumbagináceas, que ali floresce a um dado nível da estratificação florística
presente. Já não recordo a altura do ano dessa memorável excursão. Só sei que,
no regresso, a subida foi lenta e ofegante, sob um calor intenso, o que não
impediu o professor de falar, descrever, comentar, explicar um pormenor aqui e
ali e, até, lembrar Lord Byron, o poeta inglês da viragem do século XVIII ao
XIX, que se referiu a esta serra como um “Éden Glorioso”, considerando-a,
deselegantemente, uma pérola lançada a porcos.
A
elevada sensibilidade poética deste meu amigo, revelou-se-me numa das primeiras
saídas de campo que fizemos juntos. Foi na Arrábida, mais precisamente na Mata
do Solitário. Aí, numa pausa que fizemos junto de uma Pistacia lentiscus, a
vulgar aroeira, o mestre abriu a sacola e retirou, lá de dentro, um livro de
poemas de Frei Agostinho da Cruz (1540-1619), frade e poeta que viveu ali, no
convento dos Capuchos. De seguida, leu alguns sonetos para o grupo de
acompanhantes deliciados com aquele outro talento do insigne botânico.
A
última das várias oportunidades em que tive o prazer de o acompanhar, foi no
parque anexo ao Palácio da Pena, em Sintra. Estávamos em Agosto. Os cimos da
serra permaneciam envoltos numa nebulosidade fresca, a contrastar com o azul
celeste e o calor estival da planura que se estende a Sul da pequena montanha.
Contagiado pelas suas explicações, esta preciosa mata, enriquecida por árvores
centenárias e exóticas, afigurou-se-me uma sinfonia de troncos e folhagens
verdes embaladas num vento leve.
Para
os que tiveram o privilégio de lidar com ele, o Catarino, na gíria dos alunos,
ou o Mangas, para os amigos mais chegados, é uma mistura alegre e contagiante
de simpatia, humanidade e sabedoria.
Galopim
de Carvalho