Não
sou eu que posso evocar sua volumosa, diversificada e riquíssima obra
literária. Outros o fizeram e farão. Mas posso evocar a sua dimensão humana e a
atenção que sempre deu aos problemas sociais do Alentejo. Problemas que sempre
encontrei na dramaturgia e na poética do cante Alentejano.
Expressão
a um tempo literária e musical da cultura popular tradicional da maior
província de Portugal, esta expressão artística, iniciada no Baixo Alentejo,
talvez em Serpa, admite-se que, no século XV, traduz o seu quotidiano, em toda
a sua extensão sentimental, as mais das vezes, nostálgica.
No
tempo em que fui rapaz, em Évora, eram muitos os trabalhadores que, ao sábado,
ganha a magra féria, vinham à Porta Nova fazer os avios para a semana. Com
séculos de história e a mesma tipologia sócio-económica desde finais da Idade
Média, a Porta Nova sempre foi uma plataforma apta a responder aos citadinos e
aos vindos dos campos em redor, ou de “fora-de-portas”, como se dizia.
Procurando esquecer, por momentos, a “porca da vida”, muitos deles prolongavam
a estadia na cidade, serão adentro, comendo, bebendo e cantando em coro à volta
de uma mesa repleta de copos de vinho, uns cheios, uns meios, outros vazios.
Ouvi-os, durante os anos da minha estadia na cidade, e em muitos dos versos que
cantavam estava a mesma luta dos explorados e oprimidos que podemos reconhecer
na bela escrita deste grande português que na semana passada nos disse adeus.
Galopim
de Carvalho