quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

O MÉTODO DE ENSINO MÚTUO E O INÍCIO DA FORMAÇÃO DE DOCENTES II



Fizemos a nossa estreia no blog com um artigo sob o mesmo título com a intenção de, face às dificuldades da época, felizmente ultrapassadas, salientar os grandes problemas daquela época: a carência de docentes, a existência do analfabetismo generalizado e a necessidade de promover a alfabetização de multidões. Daí a necessidade de leccionar turmas de cem alunos.
Parecendo inoportuna a insistência, defendo que o futuro desejado só poderá melhorar se houver conhecimento dos obstáculos vencidos, de forma a proporcionar a aprendizagem simultânea a dezenas de alunos. É nosso propósito aproveitar a oportunidade para uma reflexão e consequente estudo sobre o pioneirismo na formação e aperfeiçoamento pedagógico dos indivíduos encarregados de preparar e formar as gerações discentes.
Parece, pois, legítima esta intenção em qualquer situação da vida e referida a qualquer actividade humana; mais justificada nos parece quando abordada em blog frequentado por muitos interessados no ensino.
Eis-nos, assim, perante a pergunta: - Quando teve início em Portugal a preparação “sistematizada” dos professores?
A resposta, parecendo fácil, carece de enquadramento temático e geográfico, pelo que, não surgindo definitiva e objectiva, envolve alguma dificuldade.
Não oferece dúvida que a Carta de lei de 6 de Novembro de 1772 conferia poderes à Real Mesa Censória para se certificar de que os candidatos a mestres régios possuíam as necessárias habilitações, através de exames efectuados em Lisboa, Porto, Coimbra, Évora e capitanias das Colónias.  Refiro este diploma legal por marcar a oficialização do ensino público e a responsabilização do Estado por criar, manter e fiscalizar este nível de ensino. Mas não há referência explícita à forma de preparar os mestres. À Real Mesa Censória apenas incumbia certificar-se de que o candidato reunia as habilitações indispensáveis ao bom desempenho do cargo.
Sobre a iniciação da formação de mestres existem alguns documentos irrefutáveis, ligados à aplicação do Método de Ensino Mútuo, também conhecido por Método de Bell e Lancaster.
Duas palavras apenas sobre o método mútuo, que aparece em despique com o indevidamente chamado método simultâneo, sempre utilizado como prelecção de um docente a vários discentes em aprendizagem.
Face à profusão de alunos e à exiguidade de mestres habilitados, o método mútuo apresentava a vantagem de permitir a reunião, num salão compatível, de turmas enormes de cem ou mais alunos dirigidos por um só professor, auxiliado por alunos mais adiantados, que tomavam a seu cargo a orientação de um grupo restrito de dez alunos (decúria). No fundo, consistia na prática jesuítica da centúria, reminiscência romano-militar experimentada pelo oficial e capelão inglês Bell e desenvolvida pelo também inglês Lancaster, em finais do século XVIII e inícios do XIX. Há notícias da sua aplicação em Portugal durante o primeiro quartel do século XIX, exaradas em documentos que passaremos a analisar.
Referiremos em primeiro lugar o testemunho de Cândido Xavier (1769-1833), definido nos seguintes termos: “desde o 1º de Março de 1816 existia naquela cidade (Lisboa) uma escola normal, na qual se tinham habilitado 81 mestres; que desde o mês de Junho de 1817 se acham em actividade as escolas nos regimentos; que, além destas, se abriram outras nos estabelecimentos Reais (sic), como no Deposito geral de cavalaria, e na Cordoaria; que em umas e outras eram recebidos não só os militares e seus filhos, mas também os dos habitantes; que no princípio de Outubro de 1818 havia 18 destas novas escolas em Lisboa e Província da Estremadura, 10 na Beira, 5 em Trás- os-Montes, 9 no Porto e Província do Minho, 10 no Alentejo e 3 no Algarve; que até àquela data se tinham matriculado nelas 1891 militares, 1952 paisanos, no todo 3843 discípulos, dos quais 367 se achavam já habilitados, e destes 60 militares tinham por essa causa sido promovidos a oficiais superiores; que o número dos que frequentavam em 3 de Agosto de 1818 era de 2518, dos quais 296 no alfabeto, 409 no silabário, 410 no vocabulário, 801 nas frases e períodos e 602 na leitura corrente; que 304 escreviam na areia, 445 na ardósia e 1730 em papel; que 827 se achavam nos princípios gerais da numeração, 785 na composição e decomposição dos números inteiros e decimais, 242 na dos numeros quebrados, e 61 nas regras de 3; ultimamente, que o numero médio de discípulos paisanos, com que as 55 escolas existentes naquela época se aumentavam cada mês era de 60 a 70” .
                                           
                                                           Francisco Goulão